quinta-feira, 8 de julho de 2021

O Leviano


Humm, Vitor! Até que enfim. Até que enfim que você se levantou. O outro está na rua. Mandei brincar. Por que eu não quero que ele ouça nada da nossa conversa não. Então Vitor, vou te falar. É que eu soube que aconteceu por esses dias da semana. Tá acordado? Eu sei. Eu sei que você chegou tarde, e tudo. Tá cansado... Eu sei... Mas... Mas, é importante!

Senta aí; que eu quero lhe falar umas coisas; senta aí no sofá, do lado onde seu irmão estava. Temos que falar de algumas coisas, e tem muito que ver com seu irmão, Jorge Levi. Como se não bastasse tudo que a gente já não passa aqui. Falta de água e tudo mais. Morando aqui nesse bairro meu Deus do céu. Ah, pois. Como se não bastasse isso, o seu irmão... Seu irmão... Vitor; vamos conversar... Mas... Espera! Deixa eu ir olhar aqui... Onde... Onde que está.

Então... Vitor, já parou, já, de rir? Para de rir menino. O assunto é sério. Para de rir que eu quero falar com você, menino... Mas, primeiro, deixa eu chegar aqui; da varanda... Da varanda é melhor. Pra ter certeza. Está ali, na frente... Pronto. Podemos falar agora. Pare de rir. Para de rir, que eu quero lhe falar duas coisas sérias. Primeiro me desculpe, que eu não queria te acordar; que eu vi que você chegou tarde, muito tarde; tava trabalhando... Mas eu tive que te chamar...

O que foi? Vou lhe contar então... Espera, que eu vou lhe contar... Pois, você já está sabendo que o seu irmão é o assunto na rua? Desde quando? Desde ontem. Desde ontem que não se fala mais em outra coisa! Por quê? Ah, você não sabe. Seu irmão, depois que ouviu ou viu alguma coisa, ele começou a inventar. Se meteu a herói, a sei lá o que, saiu pelo mundo e fez, você sabe o quê? Sabe? Esse menino... É doido... Sabe o que foi que ele fez? Ele estava brincado com um rato, no meio do beco. E pior, que não foi aqui não, foi no beco de lá de baixo.

A raiva é tanta... Que só de lembrar disso, só de lembrar já dá logo vontade de pegar logo e dar um monte. Sim! Foi ele! Todo mundo viu! Foi ele sim. Aí em baixo foi maior zoada por causa disso. É, ele matou um rato! Sim! Ele matou um rato aí no beco aí do outro lado, aí mais pra baixo.

Hã? Como assim, quem viu? Todo mundo! Todo mundo viu! Se foi de dia! Como é que ninguém ia ver Era de tarde. Tava aqui. Chegou da escola e foi fazer um negócio desses. Foi na luz do dia, pra todo mundo ver a loucura dele! Tava fantasiado, até. Todo mundo viu... No Beco da Rabada, Vitor... Diz que foi ali perto de onde as meninas deixa as roupas estiradas no chão. Quem me disse foi elas. Eu também não quis acreditar não, logo quando eu soube disso. Acredite ni sua mãe meu filho. Diz que o tal do rato apareceu. Aí... Ah, pois. Então... Aparece o rato. Vem seu irmão, sabe Deus de onde, e mata esse tal desse rato.

Vai, faz o que faz. Todo mundo viu a cena extraordinária dele; a maluquice. Agora tá aí o maior rebu por aí tudo! Não se fala mais em outra coisa nas redondezas...

Como eu estou? Preocupada não é? Por quê? O Beco da Rabada é o pior beco que tem. Oh Vitor... Eu estou te falando aqui uma coisa séria. E você tá rindo? Não entendi. Por que você está rindo disso?

Não, calma. Calma que ainda não acabou não. Calma que tem mais. O pior ainda você não sabe. Você sabia que esse sujeitinho; pra terminar, ainda estava com uma fantasia! Sabia? Eu sei, eu sei que você não sabe menino, é jeito de falar... Ainda fez o que fez; vestido de num sei o quê! Quem ainda quis desenhar ele foi aquele outro. Aquele. Aquele outro, de lá de baixo. Aquele, que mataram e depois inventaram que ele dormiu e acordou morto.

Tá todo mundo por aí; mundo afora, falando dele! Falando que Levi é doido, que ele vai ficar doido. Eu não sei direito o que foi que aconteceu com ele que de uns dias pra cá ele tá mais cheio de invenção do que nunca! Montado num pedaço de pau, que diz ele que é o cavalo dele... Oi? Não sei. Não! Ele vestiu. Isso não é coisa do desenho não. Ele estava vestido com isso. Sim, aí sai; ganha os pasto que ninguém sabe ninguém vê a hora; ninguém vê ninguém sabe por onde anda. Todo dia saindo e voltando.

Chega aqui TODO sujo, sempre! Parecendo um capitão de areia... Eu nunca vi. Isso é o que o pessoal me diz; por que se eu pegar ele montado em pedaço de pau e fantasiado de rei Artur ele vai ver o que é que vai acontecer com ele... Ele vai ver o que vai acontecer com essa cabeça do mundo da lua que ele tem... Pode me olhar Levi... Pode me olhar... Nada rapaz... Que nada... É doidice em cima de doidice...

Deus é mais... Oi? Como assim Vitor? Por que fantasia, como assim? Se ele diz que é cavaleiro, Vitor! Ele acha que é cavaleiro. Que tem que ter roupa de cavaleiro. A capa; tinha até uma capa. E Vitor, você tá dando risada, mas a coisa é séria. Num sabia não né Vitor? E se alguma coisa encostou nele? Pense nisso.

Ah sim, pois saiba! Pois saiba! Ó Vitor, Ó... Ontem; eu tava falando com Joana – não! Capacete! Não! Até capacete. Vitor, até capacete ele tem! Até capacete. Joana ontem me disse que esse menino tinha na cabeça, quando matou esse diabo, esse inferno desse rato... Teve gente que falou em garrafa... Garrafa de quê? Bebendo ele não tá. Cheirei a boca dele. Nada. Não achei nada. Todo dia, quando chego do trabalho agora eu cheiro a boca dele.

Dizem que o tal do capacete era o melhor! E calma que eu ainda não acabei não... E a espada, tá sabendo da espada tá? Aonde? Na cintura. E era espada, era lança. É tudo! Olhe: isso me custou para eu acreditar que fosse verdade viu? Custou. Enquanto o povo do beco tava falando eu não acreditava, mas só que quando Joana me falou que viu, aí eu acreditei.

Joana é séria. Ela ficou preocupada de Levi pegar aquela doença do rato. Leptospirose. Nem pensou que podia pegar essa doença. Agora me diga se um menino, que chega de'jun de um rato, é sabido? Agora, me diga, Vitor; me diga; se essa pessoa, Vitor, se esse menino. Diga, se esse menino pensa certo, fazendo essas loucuras.

Vai; em tempo de pegar essa doença... Do nome ruim do cão de falar... Imagine remédio para uma possenga dessas! Vitor: qual é o motivo de tanta graça? Quanto mais eu falo mais você ri... É sério isso aqui! Já te falei que eu estou te pedindo ajuda para consertar as maluquices de seu irmão, e você fica rindo. O problema é esse: te chamei por que antes, mais cedo, eu já tinha pego ele para perguntar quem tinha ensinado essas coisas a ele; se alguém disse alguma coisa a ele. Sim, perguntei... E ele? Ele não diz! Não diz quem é... Eu comecei a insistir, ele começou a tesar comigo... Levi começou a bater boca comigo. Eu já tava perdendo o controle, mas eu não quero, não vou mais bater nele por nada... Aí foi que te chamei; para acalmar as coisas.

É isso, quero te passar as coordenadas. E você tem um problema para resolver. Você tem que saber quem é essa coisa, por favor pelo amor de Deus, essa pessoa que tá colocando coisa na cabeça dele. Quem é essa pessoa. Preciso de sua ajuda. Tente descobrir, de alguma forma, quem é que ensina isso a Levi. Vá investigando, entendeu? Vendo o que ele assiste...

Você não sabe quem é, sabe? Temos que descobrir quem é... Mas já vou logo lhe avisar: não pergunte nada a ele, que ele não vai lhe dizer nada. Tem de procurar saber, sem ele saber. Fez algum amigo novo? Ou alguma coisa assim... A gente tem que prestar atenção nesse menino.

Eu por mim essas revistas que ele lê era tudo fora. Eu tô mais querendo é jogar tudo fora; picar tudo na lata do lixo, que eu tô achando que ele leu foi uma dessas aí e ficou assim. Como não sei qual é, jogava logo tudo fora de uma vez. Mas; se eu jogo fora sou ruim né? Ele fica mais longe e é aí que o inimigo age...

Olhe: preste bem atenção, por que eu tenho certeza que é alguém que tá bem perto que fala essas maluquices para ele viu? Então aproveite, que é você que fica junto dele, e vá vendo. Eu tive foi um sonho que me alertou; para eu te alertar; para você também alertar seu irmão. Fique esperto. É alguém de perto; que fala com ele...

Viu Vitor? Para de achar graça! É alguém de perto... Não tem quem tire isso da minha cabeça... Tem que ficar em cima... Por que já tem gente que já tá dizendo que o espírito de Zé baixou nele. Veja se pode isso! O povo gosta viu! De intriga? Esse povo daqui gosta muito. Eu disse que não era nada disso. Mas... Se isso continuar, aí a gente vai ter que fazer alguma coisa, porque coisa ruim quando entra na casa é difícil sair. Eu falei um monte de coisa mais cedo e você aí dando risada. Mas é sério, muito sério isso. Por isso que te acordei.

Tem que cuidar, para não acontecer nada... Temos que chegar antes do mal que vem da rua! Temos que chegar antes dos que rondam nossa casa, nossa família! Viu filho? E quando eu falar sobre isso, por favor, não dê risada mais não... É só isso... É isso... É por isso! É por isso que a gente diz... A gente diz que tem que cuidar... Ninguém quer saber de nada não, Vitor... É cada um por si... Vamos cuidar, meu filho. Vigie! Vigia o mais que você puder; que o papel de adulto é ficar em cima, vigiando.

Tem que vigiar; por que, senão, daqui a pouco já tem vizinho dizendo que meu filho é cata-lixo... Isso se não já ter. A boca dos outros é muito porca, meu filho. Jogam praga contra nós, que somos filhos de Deus. E a gente sabe que tem que orar e vigiar; por que sabemos que o mundo jaz sob o maligno. Mas sabemos também que o que é gerado de Deus, se cautela, e o maligno não toca... Tá lá em João...

Eu tenho fé que a gente não vai ficar assim pra sempre não! Estamos no Verdadeiro... Sim, estamos no verdadeiro. A gente tem que cuidar. Né possível que os dias de paz num chegue aqui, em minha casa, num fiz nada! Eu não fiz nada para merecer punição toda vida. Hum... Hum.

Me ajude por favor pelo amor de Deus! Me ajude... Olho em Levi... Por que ele é o mais fraco a casa... Se pegar alguma coisa nele eu não sei o eu faço... Olho nele, por favor... Vamos fazer o que for preciso... O que for preciso para proteger o menino... Meu inocente. Converse com ele... Eu gosto quando você conversa com ele... No outro dia ele fica quietinho, pensando...

Converse; cuide dele... Vamos cuidar... Por que senão o mundo toma conta. Não pode... Não pode não. Vamos ungir nosso pequeno. Que senão eu vou ter é que chamar a rezadeira aqui em casa. Fala com ele... Me promete que vai conversar com ele hoje. Promete?

Mesmo? Isso. Eu gosto quando você fala assim. Deixa comigo... Adoro quando você promete. Parece seu pai. Vou cuidar das coisas... Desculpe atrapalhar seu sono. Pode ir agora vá! Vá! Pode ir. Pode ir se descansar agora. Vá, vá; meu filho... Meu bem-aventurado... Vá dormir, vá... Vá se descansar...

Ah! E pare de rir quando eu tiver falando com seu irmão! Não é bom... Não é bom não... Você agora é exemplo rapaz. Pode não parecer, mas Levi se mira em você. Já vi tudo... Você acha que ele não gosta de você, fique aí pensando... Preste bem atenção que você vai ver. Preste só atenção... Espia o que eu tô lhe dizendo. Espia, mas não ria. Eu aqui colocando as coisas em ordem e você rindo? Não pode...

Cuidado. Assim você pode perder o respeito dele. Aí ele vai começar a te desrespeitar. E eu não quero isso. Exemplo. Dê exemplo...

Pense. Pense nisso. Agora dá um abraço. Beijo. Num pense que você tá homem que você não pode beijar sua mãe não. Mãe te ama. Nunca se esqueça disso. Agora pode dormir. Vá dormir que mãe cuida do resto. Bom descanso, meu querido filho.

Tão certo assim! Olha o barulho no portão. Foi a conta certa, de tempo. Ele chegou.

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